Em 16 de abril de 2014, a balsa sul-coreana MV Sewol naufragou, matando 304 pessoas1).
No dia do acidente, o Sewol transportava 3 vezes mais carga do que o permitido. Motivo: ganância. A empresa operadora fez essa balsa realizar 57% de suas viagens com excesso de carga, gerando um lucro adicional de US$2.9 milhões no último ano de operação – segundo promotores coreanos citados pela CNN.
Ao fazer uma curva fechada, a carga excessiva de containeres mal amarrados se deslocou e a balsa adernou. Enquanto os alto-falantes mandavam os passageiros ficarem parados, parte dos tripulantes passaram da balsa já seriamente adernada para um barco da guarda costeira coreana. O capitão Lee Joon-seok estava entre esses tripulantes que fugiram como ratos, enquanto os passageiros esperavam instruções para abandonar o navio. Muitos dos botes salva-vidas do Sewol nem foram lançados ao mar. Apenas 1/3 das pessoas a bordo foram salvas.
O capitão Lee, na época com 69 anos de idade, foi fotografado e filmado abandonando seu barco sem calça. Provavelmente ele se livrou do uniforme para não ser identificado como tripulante, porque a lei sul-coreana obriga o capitão a ficar a bordo até que o último passageiro seja resgatado. Ele vai passar o resto da vida preso.
Soube dessa tragédia quando ela aconteceu. A covardia do capitão me chocou. Só fui entender o comportamento dele quando li, meses depois, um artigo da CNN relatando que a balsa estava sobrecarregada, e que a sobrecarga era habitual.
A ganância da empresa operadora dependia da corrupção moral do capitão e seu imediato. Profissionalmente, legalmente, e eticamente, os oficiais não podiam permitir que a balsa operasse com sobrecarga. Todo mundo sabe que um barco sobrecarregado fica instável e vira facilmente.
Agora pense no dia a dia do capitão Lee: três vezes por semana o Sewol fazia a viagem de ida e volta entre Incheon e Jeju – 425 Km e 13h30 de viagem. Digamos que Lee comandava 2 dessas viagens2). Nessa estimativa, em um ano ele fazia cerca de 100 viagens; 57 delas com a balsa sobrecarregada, colocando em risco a vida de todas as pessoas a bordo – para manter seu bom emprego, e talvez ganhar comissões.
No cotidiano corrupto de seu local de trabalho, rotineiramente testemunhando e talvez lucrando com crimes, o capitão Lee já estava moralmente arruinado, corrompido até a medula, bem antes do trágico dia 16 de abril de 2014.
Neste estado de ruína moral, como podemos esperar que o capitão Lee se comportasse de modo profissional, humano, e solidário, durante um naufrágio?
E o capitão que passou 27 anos em um ótimo emprego no baixo clero do Congresso Nacional, sem nunca ter reportado nada de errado para a polícia? Lá mesmo, onde a corrupção é endêmica.
Será que o capitão está preparado para agir como um líder responsável quando uma situação séria exigir?
Ou vai se comportar como um rato?